quarta-feira, 17 de abril de 2013

Projeto Imargem no Pétala por Pétala - a vida inspira a arte no Sesc Intelagos


O Projeto Imargem participará nos dias 27 e 28 de abril do evento "Pétala por Pétala - a vida inspira a arte" no Sesc Interlagos, zona sul da cidade.
Os agentes irão promover oficinas de graffiti, exposição das obras do acervo do Imargem e um ateliê aberto. 



terça-feira, 9 de abril de 2013

NIGGAZ: AS DISTÂNCIAS INTRANSPONÍVEIS



Por Sérgio Franco

Falar do Niggaz sem cruzar a trajetória de artista com a biografia nos distancia de um dos maiores méritos de seu processo de criação: a conexão da vida com a obra. Ele sempre soube tirar o melhor partido da experiência que teve, projetando-a com toda potência na expressividade plástica. Gustave Flaubert, abordando este processo, também vai encorajar o pintor Ernest Feydeau a fazer uma pintura no leito de morte de sua esposa. Em uma carta vai dizer: “Você viu e vai ver belos quadros, e poderá fazer bons estudos. E pagá-los caro. Os burgueses mal desconfiam de que lhes servimos o nosso coração. A raça dos gladiadores não está morta: todo artista é um deles. Diverte o público com suas agonias.”[1]

O Niggaz por sua vez, não registrou a dor dos outros como foco de sua expressão, mas a própria, maquiada numa ficção. Recriou o mundo para ele fazer sentido, diminuindo o absurdo da existência para um jovem de periferia com um talento descomunal. A sua inadequação é para nós um índice de como se acolhe um jovem da periferia numa realidade distinta da sua origem.

Alexandre Luis da Hora Silva, Niggaz, faleceu aos 21 anos, em 29 de abril de 2003, nas águas da Represa Billings, antes disso deixou uma obra que marcou o seu tempo, o que havia de vida nele permanece entre nós. Para nós que não entendemos o que se passou para haver este destino trágico, fica a pergunta: como um jovem dotado de tais poderes mágicos de criatividade pudera ter encontrado morte prematura?

Niggaz no Beco Aprendiz

Objetivamente, jamais poderemos dar precisão para este desfecho, mas por sua trajetória podemos encontrar um sentido para sua obra. Por meio dela, emergem características importantes de uma vida na metrópole, vista e vivida por um sujeito oriundo da sua margem: Jardim Eliana (Grajaú – Zona Sul), na periferia da cidade, lugar onde cresceu. O graffiti surgiu para ele como instrumento de construção de um caminho para outras paragens, lugares distantes e cheios de barreiras, por onde seus amigos de bairro não se imaginavam antes dele. Niggaz ultrapassou obstáculos reais e simbólicos que levavam até o mundo da arte, e seus parceiros encontraram percursos possíveis com este estímulo.

A nave espacial que ele fez no beco da Rua Belmiro Braga (Vila Madalena) foi a síntese deste processo. A nave está a caminho de algum lugar imaginário, um outro mundo, para tanto é bem equipada para a viagem: cheia de dispositivos, botões, teclados de um computador central, monitores de controle, etc. Mas o comandante desta nave não a move por livre e espontânea vontade, nas suas costas há um homem com um revolver na mão, ameaçando-o enquanto ele observa um monitor na sua lateral. Ele também segura o manche e tecla nos equipamentos da nave, parece dominar um processo complexo para colocá-la na rota de sua viagem. Junto da cabine ele é auxiliado por uma mulher, a co-pilota de sua jornada. Não podemos saber o destino que perseguem, mas supomos, como num sequestro, que talvez não exista retorno.

Uma das principais características de Niggaz era ser romântico, amante do afeto, sempre disposto a dedicá-lo e carente em recebê-lo. As experiências sentimentais intensas sempre povoaram sua trajetória, recorrentemente aparecia com o desenho de uma mulher pela qual se apaixonara e os amigos apaixonavam-se por derivação, através de seu trabalho. A mulher ao seu lado na nave do painel do ‘Beco’ é o elemento que lhe dava estímulos para transpor as distâncias, que o acompanhava na viagem e lhe fornecia o afeto e a compreensão para diminuir as turbulências de sua vida, foi ela também que lhe trouxe uma das maiores desilusões.

Contudo, Niggaz é pioneiro, foi o primeiro grafiteiro que chegou à Vila Madalena vindo de uma origem social mais baixa, também o primeiro que fez estes grafiteiros de classe média circularem pela periferia. Quando então, além de reconhecerem as distâncias que ele ultrapassara, passaram a valorizar a sua disposição em transpô-las.



[1] G. Flaubert, carta a E. Feydeau, primeira quinzena de outubro de 1859. In: Correspondance, t. IV, p.340.