segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Imagem da Margem



Sérgio Franco
Co-curador da 7 Bienal de Berlin 2012

Artistas agrupam-se no Projeto Imargem, oriundos do distrito de Grajaú. Este território é também da área de Proteção Ambiental Bororé-Colônia – que abriga remanescentes de Mata Atlântica pressionados pelo crescimento populacional. Ali São Paulo começou, primeiro pela população Guarani que aqui estava antes dos europeus, depois pelas mãos de João Ramalho num aldeamento em Santo André onde fez um projeto de ocupação que integrou a cultura ancestral com seus rituais antropofágicos e a poligamia com a civilização portuguesa - para o desespero da moral da Igreja Católica. A qual não deixou por menos e refundou sua presença no planalto de Piratininga com o empreendimento Jesuítico.  Se a Semana de 22 fosse mais voltada para práticas além de conceitos, veria ali os primórdios da antropofagia que discutiram posteriormente ao João Ramalho – o primeiro dos antropófagos brasileiros, pai de toda uma geração de mestiços que vemos hoje.

Na perspectiva desta posição da cidade, se vê melhor! Pois dali uma convivência distinta e uma configuração cultural se instalaram para inventarem novos modos de ver a cidade. Livres de qualquer cânone artístico, os artistas puderam acolher todas as linguagens expressivas possíveis, e como moradores da região, foram criadores de novas representações figurativas para o espaço. O Imargem retoma exposições já vistas, como “The Street, Ways of Living Together” (1972) em Eindhoven na Holanda de Jean Leering, a qual examinava modos de convivência num laboratório que saia do museu e se estendia pelas ruas da cidade. Isso retira o ineditismo, porém o recoloca por uma escala nova, incomensurável para um holandês. Partindo deste desafio surge o Imargem e seus agentes marginais: tribos urbanas mais recentes (rappers, grafiteiros, sambistas, skaters, etc) e habitantes originais de tribos indígenas que ali ainda possuem um lugar.

Entre muitos agentes, alguns se destacam e marcam presença nesta exposição. André Bueno fez da fotografia seu suporte, para registrar e recompor a paisagem com um enquadramento sensível ao afeto, sempre disposto a encontrar a poética da sociabilidade extensa e intensa da comunidade. Alexandre Puga come letras e imagens e transcende seu alimento em pintura, sua fome é de convivência coletiva, provendo-se da fraternidade que encontra e reproduz em sua obra. Everaldo Costa é escultor, e como no mito de Pigmaleão confere vida por onde sua mão confere forma. Enivo acompanhou Niggaz em sua jornada para além dos limites de seu bairro, e com seus graffitis consolidou uma nova paisagem do espaço público com sua intervenção. Jerry Batista acompanhou estes desbravadores do Grajaú, amigo e companheiro inseparável sempre trouxe o afeto em pinturas sobre todos os suportes. Jonato faz dos equipamentos urbanos o mesmo que o movimento da Art Noveau, torna a arte  possível em qualquer lugar ou suporte, uma lixeira, as paredes e entradas de uma viela ou metrô. Helder Oliveira fez da pintura o primórdio e partiu para explorar a tridimensionalidade de seu trabalho. Mauro é um renascentista, nos afrescos que concede para as paredes da cidade, retoma a pintura mural como algo que nunca morreu nas possibilidades expressivas da urbe. Rodrigo Branco é um pintor da memória, do afeto paterno e da infância jamais perdida, porque revivida neste território. Ronaldo Costa traz o homem máquina, moto-perpétuo da vida ainda que inumana, seu robô ganha cor e com ela a Natureza que talvez não lhe pertença. Thiago Goms apresenta um expressionismo zoomorfista, como os ancestrais da terra atribui formas animais para as divindades, aqui homens com atributos da Natureza. Wellington Neri é um compositor da cor e da letra, sempre harmonizando o caligráfico e o plástico em obras coletivas.

No contraponto com a Natureza, aqui numa região limítrofe com a urbanização caótica e sem planejamento, constituiu-se uma visão ímpar, sem parcialidade porque se irradia pelos outros pólos e póros da metrópole. Agentes marginais, apenas por virem da borda, pois seus dilemas periféricos são questões centrais, permeáveis pela água que os cerca, e vinda dali, chega em boa parte das casas da cidade.

Os acontecimentos, num contexto de deslocamento do sistema da arte, podem vir de um lugar qualquer, como foi com o Impressionismo, que retirou os artistas do ateliê e os levou para a banlieu (uma periferia para o lazer pequeno burguês) e os rios que margeiam a capital francesa, justamente para verem melhor as contingências da luz na pintura. Estar na margem foi importante para abdicar dos padrões hegemônicos vigentes, e o artista sabe como ninguém aproveitar desta liberdade.

Estes agentes do denominado Grajaú, também fizeram um deslocamento e uma abordagem nova nas intervenções urbanas, foram capazes de uma cartografia generalizada das novas simbologias impregnadas na paisagem de São Paulo. Sempre pedindo para ver a cidade em sua abrangência e contradição. Entre uma riqueza exuberante e uma miséria acachapante, onde vemos a unidade do sistema nas lutas instaladas na metrópole.

Todavia, estas lutas possuem armas próprias, poéticas visuais ou sonoras, violentamente pacíficas, desviando do conflito físico para leva-las ao âmbito conceitual. São novos comportamentos, num bairro em contexto mortífero. Ele, são capazes de desfazer distinções entre o centro e a periferia, para mostrar o problema como partilhado por todos aqueles que habitam a metrópole. Focados na potência em vez da fraqueza, apelam para a construção de uma esfera pública na sociedade. Angariando parceiros de bairros mais prósperos, entre artistas e cidadãos, consolidam o que almejam: o Direito à Cidade num debate sobre o que queremos para nossos espaços públicos.

Abertura da Exposição "Há Gente"


No último dia 30 de novembro a Casa do Rosário, Parelheiros, abriu a exposição "Há Gente" com os agentes marginais André Bueno, Alexandre Puga, Vinicius Enivo, Everaldo Costa, Helder Holiveira, Jerry Batista, Jonato, Mauro Neri, Ronaldo, Rodrigo Branco, Thiago Goms e Wellington Neri. 

A Casa recebeu amigos, novos amigos, pessoas que não conheciam a região e agentes locais que fomentam a cultura e a relação entre os coletivos.


A exposição mostra a importância das contribuições deste coletivo para cultura da cidade e continuar sendo, através das suas obras, referência para jovens artistas da periferia. Formando mais artistas “filhos da periferia”, fazendo parte dos processos de transformação da sociedade.

Outro ponto forte da noite foi a exibição do curta "Bailão" do diretor Marcelo Caetano, que curiosamente e conscientemente está na região gravando um documentário sobre o bairro do Marcilac. Depois do curta rolou um super debate com o diretor e o guarani Olívio, da aldeia Krukutu.


Foi realmente uma noite especial e ímpar.


Não esqueça, a exposição "Há Gente" fica na Casa do Rosário até dia 16 de fevereiro de 2013, de quarta a domingo, das 11h às 17h, não perde, tá lindo.


Espia as fotos da montagem e da vernissage!