Sérgio Franco
Co-curador da 7 Bienal de Berlin 2012
Artistas
agrupam-se no Projeto Imargem, oriundos do distrito de Grajaú.
Este território é também da área de Proteção Ambiental Bororé-Colônia – que
abriga remanescentes de Mata Atlântica pressionados pelo crescimento
populacional. Ali São Paulo começou, primeiro pela população Guarani que aqui
estava antes dos europeus, depois pelas mãos de João Ramalho num aldeamento em
Santo André onde fez um projeto de ocupação que integrou a cultura ancestral
com seus rituais antropofágicos e a poligamia com a civilização portuguesa -
para o desespero da moral da Igreja Católica. A qual não deixou por menos e
refundou sua presença no planalto de Piratininga com o empreendimento Jesuítico. Se a Semana de 22 fosse mais voltada para
práticas além de conceitos, veria ali os primórdios da antropofagia que
discutiram posteriormente ao João Ramalho – o primeiro dos antropófagos
brasileiros, pai de toda uma geração de mestiços que vemos hoje.
Na perspectiva
desta posição da cidade, se vê melhor! Pois dali uma convivência distinta e uma
configuração cultural se instalaram para inventarem novos modos de ver a
cidade. Livres de qualquer cânone artístico, os artistas puderam acolher todas
as linguagens expressivas possíveis, e como moradores da região, foram
criadores de novas representações figurativas para o espaço. O Imargem retoma
exposições já vistas, como “The Street, Ways of Living Together” (1972) em
Eindhoven na Holanda de Jean Leering, a qual examinava modos de convivência num
laboratório que saia do museu e se estendia pelas ruas da cidade. Isso retira o
ineditismo, porém o recoloca por uma escala nova, incomensurável para um
holandês. Partindo deste desafio surge o Imargem e seus agentes marginais:
tribos urbanas mais recentes (rappers, grafiteiros, sambistas, skaters, etc) e
habitantes originais de tribos indígenas que ali ainda possuem um lugar.
Entre muitos
agentes, alguns se destacam e marcam presença nesta exposição. André Bueno fez
da fotografia seu suporte, para registrar e recompor a paisagem com um
enquadramento sensível ao afeto, sempre disposto a encontrar a poética da
sociabilidade extensa e intensa da comunidade. Alexandre Puga come letras e
imagens e transcende seu alimento em pintura, sua fome é de convivência
coletiva, provendo-se da fraternidade que encontra e reproduz em sua obra.
Everaldo Costa é escultor, e como no mito de Pigmaleão confere vida por onde
sua mão confere forma. Enivo acompanhou Niggaz em sua jornada para além dos
limites de seu bairro, e com seus graffitis consolidou uma nova paisagem do
espaço público com sua intervenção. Jerry Batista acompanhou estes
desbravadores do Grajaú, amigo e companheiro inseparável sempre trouxe o afeto
em pinturas sobre todos os suportes. Jonato faz dos equipamentos urbanos o
mesmo que o movimento da Art Noveau, torna a arte possível em qualquer lugar ou suporte, uma
lixeira, as paredes e entradas de uma viela ou metrô. Helder Oliveira fez da
pintura o primórdio e partiu para explorar a tridimensionalidade de seu
trabalho. Mauro é um renascentista, nos afrescos que concede para as paredes da
cidade, retoma a pintura mural como algo que nunca morreu nas possibilidades
expressivas da urbe. Rodrigo Branco é um pintor da memória, do afeto paterno e
da infância jamais perdida, porque revivida neste território. Ronaldo Costa traz
o homem máquina, moto-perpétuo da vida ainda que inumana, seu robô ganha cor e
com ela a Natureza que talvez não lhe pertença. Thiago Goms apresenta um
expressionismo zoomorfista, como os ancestrais da terra atribui formas animais
para as divindades, aqui homens com atributos da Natureza. Wellington Neri é um
compositor da cor e da letra, sempre harmonizando o caligráfico e o plástico em
obras coletivas.
No contraponto
com a Natureza, aqui numa região limítrofe com a urbanização caótica e sem
planejamento, constituiu-se uma visão ímpar, sem parcialidade porque se irradia
pelos outros pólos e póros da metrópole. Agentes marginais, apenas por virem da
borda, pois seus dilemas periféricos são questões centrais, permeáveis pela
água que os cerca, e vinda dali, chega em boa parte das casas da cidade.
Os
acontecimentos, num contexto de deslocamento do sistema da arte, podem vir de
um lugar qualquer, como foi com o Impressionismo, que retirou os artistas do
ateliê e os levou para a banlieu (uma periferia para o lazer pequeno burguês) e
os rios que margeiam a capital francesa, justamente para verem melhor as
contingências da luz na pintura. Estar na margem foi importante para abdicar
dos padrões hegemônicos vigentes, e o artista sabe como ninguém aproveitar
desta liberdade.
Estes agentes
do denominado Grajaú, também fizeram um deslocamento e uma abordagem nova nas
intervenções urbanas, foram capazes de uma cartografia generalizada das novas
simbologias impregnadas na paisagem de São Paulo. Sempre pedindo para ver a
cidade em sua abrangência e contradição. Entre uma riqueza exuberante e uma
miséria acachapante, onde vemos a unidade do sistema nas lutas instaladas na
metrópole.
Todavia, estas
lutas possuem armas próprias, poéticas visuais ou sonoras, violentamente
pacíficas, desviando do conflito físico para leva-las ao âmbito conceitual. São
novos comportamentos, num bairro em contexto mortífero. Ele, são capazes de
desfazer distinções entre o centro e a periferia, para mostrar o problema como
partilhado por todos aqueles que habitam a metrópole. Focados na potência em
vez da fraqueza, apelam para a construção de uma esfera pública na sociedade.
Angariando parceiros de bairros mais prósperos, entre artistas e cidadãos,
consolidam o que almejam: o Direito à Cidade num debate sobre o que queremos
para nossos espaços públicos.
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